sábado, 15 de janeiro de 2011

É...!

A vida é recolher versos pelo caminho ou o que sentimos quando suscetíveis a uma música que nos emociona e nos surpreende ao mesmo tempo. É retirar de si mesmo sentimentos profundos das tortuosas trilhas delineadas a cada passo que damos. É estar esperando o inesperado e permanecer no hiato moldado por ela, sabendo que é frágil e que da sua fragilidade retira toda a força. É passear leve e calmo e poder sentir a brisa que inebria, composta de acontecimentos pairando no ar como notas musicais que, a todo instante, invadem os ouvidos como a onda do mar que vem e leva a areia da praia.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sem culpa cristã

Maria era mulher católica e prendada. Desde cedo tinha fé.
Recatada, de costumes mansos, mas sofria ultimamente.
Sofria com o acontecido inesperado: o fim do seu casamento.
Desde que isso aconteceu, ela chorava aos pés do santo todos os dias.
Era o santo dos causos resgatados, se apegava ao santo para pedir que trouxesse o seu marido de volta, do jeito que ela imaginava.
Quando Maria ia à igreja, eis que o Padre Juvenal garantia:

- Maria, pede ao santo, porque ele te atenderá.

E Maria:

- Sim, estou pedindo todos os dias.

E todas as vezes, acostumada como quem toma banho, ia Maria acender a vela para o santo.
Maria até o encontrava nos sonhos, os sonhos que são a pupila do inconsciente, e o santo sorria.
Certo dia, em casa, ao acordar, surgiu uma aparição. Era ele. O santo dos causos resgatados.
E Maria, extasiada com a experiência nunca antes vivida, foi com tanto desespero ao encontro do além iluminado que nem mesmo lembrou do susto que tinha existido antes.

- Eu sabia. Deus não ia abandonar a minha causa. Ele mandou o senhor aqui.

O santo calado, calado assim ficou.

- Por favor, santo dos causos resgatados, fale algo. Eu preciso muito que o senhor traga o meu marido de volta.

O santo olhou desconfiado e disse:

- Maria! Faça uma simpatia ou qualquer outra coisa. Traga o seu marido de volta, mulher! Você não o quer? Então traga!

Maria ficou abestalhada. E tragou; o cigarro escondido num vaso de flores e saiu em direção à porta surpreendente da vida.Justificar

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dilema

A ida da folha traz um pouco de drama à vida da flor.
Afinal, uma parte dela está se indo, esvaindo.
Mas não um drama total,
Será um bem necessário.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Mais uma noite caiu

Sala-de-estar. Mais uma manhã. Manhã que antecede o trabalho. Mesa com um jornal de hoje jogado como se tivesse sido lido. Ele, ainda com roupas de casa. Ela, com o desleixo afeito ao ambiente do lar. Também duas xícaras de café na mesa. Café no fogo.

- Carolina, você passou a minha roupa do trabalho?

- Sim, está em cima da cama. Pois bem, escute, você acha que sou sua escrava é?

- Ei, ei, ei... calma lá. O que é que te fiz?

- Quero saber. Diga, onde estava ontem que chegou tão tarde?

- Eu te falei, falei que tinha uma reunião de trabalho. Acaso não lembra? Na semana passada, te disse.

- Fale a verdade, Fernando. Você não se envergonha disso?

- Mas, que diabos, já falei a verdade. Sempre falo. Se quiser, acredite.

Enquanto Fernando estava lendo o jornal, Carolina olhava-o com uma mágoa ainda não conhecida por sua alma. Mágoa que ia deixando desfiar os caminhos das palavras por aquela manhã. Algo a fazia sentir extremo ódio de todos os gestos torpes de Fernando.

- Deixa esse jornal enquanto come! Que coisa suja! Ou então lave as mãos...

- Carolina, acho que você está testando minha paciência hoje. Mas vamos lá, largo então esta merda de jornal.

Fernando sai da sala em um átimo de irritação e vai verificar a roupa do trabalho no quarto. Carolina, terminando o café na cozinha, fica remoendo a lembrança de cada gesto de Fernando. Já não agüenta mais.

Ele volta do quarto, já pronto com a roupa do trabalho. Prepara-se para comer. Coloca o café já pronto em uma xícara, açúcar e põe-se a mexê-lo. Carolina não suporta.

- Fernando, você está me irritando com isso. Por que toma tanto café? Isso faz mal.

- Gosto de café. Ainda mais, dá um gás grande para trabalhar.

- E por que coloca tanto açúcar?

- Carolina, eu não coloquei nem tanto assim.

- Mas você me irrita em mexer tanto essa porcaria de café. Pare com isso!

- O que é que você tem hoje, mulher?

- Fernando, precisamos conversar.

- Sobre o quê?

- Sobre isso de você ficar mentindo para mim.

- Mas já te disse, não menti para você. Apenas fui a uma reunião, foram estabelecidas novas normas para o trabalho. E por que você mistura tudo?

- Não misturo nada. Você que não presta atenção no que falo. Então acha que está tudo misturado.

- Agora mais essa!

- Pois saiba bem que não vou me recatar enquanto você me faz de idiota saindo por aí, usando o pretexto da reunião como trunfo. Vou fazer um chá, café faz mal. Quer?

- Não, não.

- Sabe o que é pior, é a sua indiferença. Você já pensou? Já pensou que não é o único?

- Já pensou que enquanto você me deixa só, vem outro e toma o vazio que você fez questão de deixar?

- Do que está falando, Carolina? Vamos conversar.

- Não quero mais. Não quero conversar com você. Você mente pra mim o tempo todo e não se envergonha disso.

- Acho melhor mesmo conversamos depois. Você está alterada, querendo discutir. Vou trabalhar. Encontro você mais tarde.

Fernando bateu a porta e saiu sem mais explicações.

Carolina ficou mesmo atônita. Irrompeu em lágrimas no sofá. Não sabia por que sentira aquilo tudo. Apenas sentia. Ficou a rememorar o tempo que poderia ter ficado supenso. O tempo em que ela achava que Fernando não mentia para ela. Ou em como aquilo tudo poderia não ter acontecido. Deixou- se cair no chão inebriada de tantas lágrimas.

Caiu a tarde, e Carolina dormia intensamente.

Ao anoitecer, Fernando chegou. Olhou a cena espantado. A esposa simplesmente dormia ali no chão e acalmava o cansaço do choro e da discussão acontecida pela manhã. Ele se aproximou. Ela acordou assustada. Ele pegou-a no colo. Ela então se desfez em seu peito. Mais um dia se foi. Mais uma noite caiu.

sábado, 13 de novembro de 2010

lutar com palavras

e as palavras vão ficando
escassas no caderno.
umas páginas completas,
páginas vãs também.
eis, aqui, algum caderno
que de vez em quando
expõe versos.

da condição onírica

se perder por entre nuvens
que não se desfazem
permanecem intactas
em planos moldados
e a cada mirada
são notadas diversas
mesmo paradas
em planos inertes.

redemoinho

confusão, turbilhão
fora a exatidão
o convencional
o não confudir, fora!
confusão que completa
o ser confuso em sua
plena condição de ser.